sexta-feira, novembro 23, 2007

"Estórias Reais Imaginadas"

A MULHER QUE NÃO GOSTAVA DE DIAS BONITOS



Dias de Primavera ou de Outono. Dias de Verão ou de Inverno. Aqueles dias de sol radioso e céu completamente azul. Ou com quatro ou cinco pequenas nuvens brancas, “excepções” que confirmam a “regra” daquele azul. Dias em que apetece respirar fundo, olhar em volta e ir passear. Esses dias de que todos gostam? A Ana não gosta. Mas tem motivos para isso.
Ela acha que esta animosidade para com dias solarengos começou no dia 18 de Agosto de 1971, na lindíssima e quente manhã em que foi com a mãe despedir-se do Sargento Peres, o seu pai, que ia partir para a guerra na Guiné. Apesar de ser ainda muito pequena, a Ana recorda-se de abraços, lágrimas, beijos e de ouvir a mãe dizer: “Promete-me que voltas. Promete-me que não morres”. O pai prometeu. Mas não cumpriu.
Mais tarde, veio uma bela tarde de Março, no Liceu, em que na aula de História, sobre a Revolução Bolchevique, viu o Professor Antunes ter um enfarte fulminante. Enquanto os colegas observavam, excitados, a chegada da ambulância e as infrutíferas tentativas de reanimação do Professor, a Ana não conseguia desviar o olhar do lindo céu azul.
Começou a reconhecer um padrão. Uma antítese. Dia bom, coisa má.
Ainda por cima, casou numa tarde fria e cinzenta de Maio. Deu à luz o seu único filho na manhã de 2 de Novembro de 82. Chovia a cântaros.
Já não tinha dúvidas. Mas, seria só ela a ver o padrão? Ou seria uma parvoíce?
A Ana não conseguiu deixar de reparar no lindo dia de sol que viu na televisão, a 11 de Setembro de 2001. Aquela escura nuvem de pó, a cobrir Nova Iorque, a contrastar com o azul do céu…
Também se recorda de ver imagens de timorenses assustados, a fugir das balas, no massacre de Díli. Iluminados por um sol radioso. Que diabo! Até no terramoto de 1755 o dia estava lindo, segundo relatos da época.
Na semana passada, ela viu um menino ser atropelado. Ainda hoje não sabe se ele sobreviveu ou não. Depois de apanhar qualquer coisa do passeio, o garoto, distraído e a olhar sorridente para o que encontrou, atravessou a rua sem olhar. Foi atropelado por um táxi. A Ana, em choque, só conseguiu ver uma moeda, junto à mão do menino, a reluzir no alcatrão. A reflectir o sol daquela linda manhã.
Claro.
Coincidências? Brincadeiras do Destino, da Natureza? Partidas de Deus?
Ela ainda não percebeu.
Mas sempre que acorda, vai à janela. Quando vê que o dia está nublado, a ameaçar chuva, a Ana sorri.






JR

3 Comments:

At 5:27 da tarde, Anonymous Anónimo said...

História simples e brutal.
Das pequenas particulas da vida consegues extrair as situaçoes mais caricatas, singulares e magnificas.
Que supostamente estao lá no dia-a-dia, mas que quase ninguem as vê, com olhos de ver.

Um mega abraço

 
At 7:48 da tarde, Blogger JGProduction said...

Bem SENHOR João Rocha, tenho a dizer-te que esta é simplesmente das historias mais brutais, lindas e com uma mistica de grande verdade que eu algum dia já li. o mundo e as gg agradecem estas historias. mal posso esperar pela proxima sexta. abraxo.

 
At 2:11 da tarde, Anonymous Anónimo said...

E verdade Rochini isto esta de facto muito , muito bom!! Todos nós agradecemos esta rubrica de sexta-feira!!

GG

 

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