domingo, dezembro 16, 2007

"Estórias Reais Imaginadas"


O HOMEM QUE OUVIU UMA MÚSICA (IN)DESEJADA


O António teve de parar o carro na berma da estrada para se recompor. 18:30. A habitual viagem de regresso a casa, após mais um dia de trabalho, decorria com normalidade, mais trânsito menos trânsito. Mas o rádio começa a transmitir a nova música da sua banda favorita. O António nem queria crer. Aqueles acordes, aquela melodia, aquela letra…Tudo o que ele sempre quis que aquela banda fizesse. Tudo o que ele pediu. Eles fizeram.
Há dois anos o António perdeu o amor da sua vida, a Maria. O longo e intenso romance que os dois viveram terminou, sem que ele percebesse porquê. A Maria deu-lhe “a notícia” na esplanada do café onde se encontravam todos os dias. Apesar do choque, conseguiu perceber algumas das frases que ela disse: “mudei”; “as coisas já não são iguais”; “a culpa não é tua, mas minha”; “acho que já não te amo”; “mereces mais do que aquilo que te posso dar”. Depois a Maria levantou-se e foi-se embora, a chorar. O António não disse nada, nem correu atrás dela. Acabou de comer o croissant com fiambre, pegou nos cacos do seu coração, guardou-os no bolso e foi para casa.
Os meses seguintes foram os piores da sua vida. Regava o desespero com álcool e amaldiçoava o sol. Porque só vinham dias de sol, todos os dias, quando o que ele precisava era de dias cinzentos, de chuva, que se enquadrassem com o seu estado de espírito? Dias de trovoada e chuva, como naqueles “vídeo-clips” pirosos dos anos 80, de baladas igualmente pirosas sobre amores perdidos. Mas não. O António teve de carpir as mágoas com sol e calor.
Apesar de ter optado pela forma estóica e orgulhosa de sofrer acabou por ter duas recaídas. Na primeira tentou ligar à Maria, mas o número do telemóvel já “não estava atribuído”. Ela mudou de número. “Cabra”. A segunda foi muito mais desesperada e ridícula.
O António e a Maria tinham uma banda preferida. Conheceram-se a falar dela, dançaram ao som dela. Toda a relação com aquela banda-sonora. O António decidiu ir ao site deles para enviar um longo e-mail a pedir/exigir que escrevessem uma música. Uma música que fizesse a Maria voltar para ele. Relatava toda a relação. Como começou, como foi e como acabou. “Eu, António, ainda amo a Maria e quero que vocês me ajudem a recuperá-la”. Basicamente.
Ele tinha noção da parvoíce que estava a fazer mas a culpa era tanto dele como da garrafa de gin que bebeu nessa noite. Enviou-o.
O dia seguinte trouxe sol (claro) e um enorme sentimento de vergonha. O António só esperava que a sua banda preferida nunca lesse aquele e-mail! Tinham, com certeza, alguém para ler aquelas coisas por eles, pensou. Mais uma mensagem de um fã para ignorar…
Começou ali a sua recuperação, apercebendo-se do ridículo a que tinha chegado. “Ela não merece”. Vamos em frente”. “A vida continua”. Aos poucos voltou a sorrir, a conviver, a viver. Os dias de sol voltaram a ser bonitos e conheceu a Patrícia. Gostava dela, ainda não sabia se muito, se pouco. Estava feliz outra vez.
Até às 18:30 desta tarde. A sua banda favorita lançou um novo single. Para o comum dos mortais, só mais uma música. Para ele não. A letra contém vários episódios contados por ele no e-mail e um refrão que apela a que uma tal de “Maria” “acorde para o sonho de um grande amor / que não se pode perder” (sic).
“Agora? Quase dois anos depois vêm estes cabr%&$ reavivar fantasmas mortos e enterrados. E se ela ouve isto? Ela adora-os, claro que vai ouvir!”, berrou o António enquanto esmurrava violentamente o volante do seu carro. Acrescentou uns “palhaços!” e “filhos disto-e-daquilo” para adjectivar a sua banda predilecta, enquanto se fazia de novo à estrada.
Estava já em casa a beber um gin tónico, para acalmar enquanto fazia o jantar, quando o telemóvel tocou. Número desconhecido. Atendeu a medo.
Era a Maria.
Continuava a ter uma voz doce, que o envolvia. Que o fazia sorrir.
Palhaços…




JR

2 Comments:

At 5:05 da tarde, Blogger JGProduction said...

simplesmente genial. ms fica deixa aquela sensação agustiosa de to be continued.

 
At 12:17 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Lindo...

 

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