terça-feira, novembro 20, 2007

Ensaio sobre a cegueira, Meirelles ao barulho e o aniversário de Saramago

Hoje vou falar-vos de um dos grandes vultos da Literatura Portuguesa, José de Sousa Saramago. Que acariciou a bela idade de 85 “vidas”, anos, ou 1020 meses.
Nascido em Azinhaga, a 16 de Novembro de 1922. Cedo se destacou pela personalidade forte e vincada. Carácter e maneira de ser que foi edificando ao longo da sua vida e que faz dele um dos maiores escritores/pensadores contemporâneos do nosso tempo.
Como todos sabemos, Saramago foi condecorado com o Nobel da Literatura, em 1998. Antes havia sido galardoado, com o Premio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.
Mas esse reconhecimento foi e continuará a ser alvo de uma divisão e discórdia que se “abate” sobre a sociedade portuguesa e, inclusive a nível internacional, sempre que se fala dele.
Mas observemos o caso português. É engraçado que a reflexão que quero partilhar convosco, não a tirei apenas dos jornais, noticiários e na rádio. Também em conversas com amigos e colegas fui dando conta de que José Saramago, não tem meios-termos, ou se adora ou se detesta por completo.
Existem vários factores da sua vida que ajudam a percebermos o motivo de tanta celeuma que, Saramago por vezes cria em torno de si.
Saramago, conhecido pelo seu ateísmo e iberismo, é membro do Partido Comunista Português e foi director do Diário de Notícias. Casado com a espanhola Pilar del Río, Saramago vive actualmente em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.
A carreira de Saramago tem sido acompanhada de diversas polémicas. As suas opiniões pessoais sobre religião ou sobre a luta internacional contra o terrorismo são discutidas e algumas resultam mesmo em acusações de diversos quadrantes. Logo após a atribuição do Prémio Nobel, o Vaticano repudiava a atribuição da honraria a um "comunista inveterado".
“Perseguido” pela igreja católica portuguesa (e Vaticano), Saramago não deixou de seguir o seu próprio caminho. Por isso quando escreveu “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, permitiu que essa obra fosse adaptada ao teatro. Como já se esperava, a peça foi motivo de dura crítica, por parte de grupos religiosos que consideram a obra uma ofensa à Igreja.
Pior mesmo, só um sub-secretário de Estado, do governo de Cavaco Silva, na altura, Sousa Lara. Que achou por bem, afastar o livro de Saramago a uma candidatura a um prémio literário, por considerar que atentava contra a moral cristã.
Esta situação recorda-me o episódio protagonizado por um outro José, neste caso, o humorista Herman José. Aquando da interpretação da Ultima Ceia de Cristo. Que foi motivo de um Sketch humorístico, mas que a igreja, ou melhor, certos sectores da igreja, ultra-conservadores e hipócritas criticaram.
Nestas alturas recordo-me de uma espécie de ditado que vi numa peça de teatro, há uns anos atrás, intitulada “O idiota”. Ás páginas tantas, há uma crítica mordaz aos preconceitos mesquinhos da sociedade e um grupo de jovens grita o seguinte em alto e boa voz:
_«Filhos da puta, hipócritas civilizados que tudo criticais na claridade e tudo permitíeis na escuridão».



Mas voltemos a Saramago. Outros dos aspectos que são apontados pelas pessoas que não gostam da sua obra, tem a ver com a sua escrita. Saramago é conhecido por utilizar frases e períodos compridos, usando a pontuação de uma maneira não convencional (aparentemente incorrecta aos olhos da maioria).
«Os diálogos das personagens são inseridos nos próprios parágrafos que os antecedem, de forma que não existem travessões nos seus livros: este tipo de marcação das falas propicia uma forte sensação de fluxo de consciência, a ponto do leitor chegar a confundir-se se um certo diálogo foi real ou apenas um pensamento.»
Todavia Saramago também tem o seu os defensores incondicionais. Em 2003, o crítico norte-americano Harold Bloom, em seu livro Genius: A Mosaic of One Hundred Exemplary Creative Minds ("Génio: um mosaico de cem mentes criativas exemplares"), considerou José Saramago "o mais talentoso romancista vivo no mundo actual".
Para encerrar o capítulo das polémicas falo um pouco da última. Onde Saramago em entrevista ao jornal Diário de Noticias, no verão último, afirmou que os portugueses só tinham a ganhar se Portugal fosse integrado na Espanha, país no qual se auto-exilou.
Concorde-se ou não com as suas ideias, o importante a reter é a fé inabalável do escritor, do ser humano, do homem nas suas palavras e pensamentos.
Não deixa que lhe escolham o caminho ou lhe condicionem a fala e o pensamento.
Ele sabe para onde vai e onde quer andar até chegar ao fim das suas viagens, sejam elas literárias, fictícias ou reais.
Uma coisa é certa a sua obra goste-se ou deteste-se é intemporal.




Mas terminemos com a referência a obra de Saramago e ao único livro que li dele até hoje.
Obra que vai ser adaptada ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles (realizador do assombroso Cidade de Deus e do belíssimo Fiel Jardineiro).
Falo desse belíssimo e horrível livro que é o “Ensaio sobre a Cegueira”.
Quando terminei o bem dito e o maldito livro andei cerca de um mês a digeri-lo. Até hoje só o filme “Ondas de Paixão” (Breaking the Waves) do Lars Von trier, me tinha deixado nesse limbo insuportável mas, ao mesmo tempo sedutor da minha alma.
Para quem não leu a dita obra aconselho vivamente a comprarem o livro.
Já na altura comentava com amigos meus que, este livro, se fosse adaptado ao cinema seria uma autêntica bomba relógio a explodir nas telas de cinema. Agora que Fernando Meirelles convenceu o hesitante Saramago a dar o consentimento, aguardo ansiosamente pelo filme.
Quanto ao livro não queria desvendar nada ou quase nada. Apenas uma breve sinopse:
A história inicia-se com a perda de visão de um automobilista que em pleno cruzamento, aguarda pelas luzes verdes dos semáforos. Subitamente é atingindo por uma cegueira branca que, rapidamente se alastra à cidade e ao país.
Aos poucos, todos acabam cegos e reduzidos, pela obscuridade, a meros seres lutando pelos seus instintos.
À medida que os afectados pela epidemia são colocados em quarentena, em condições desumanas, e os serviços estatais começam a falhar, a trama segue a mulher de um médico, a única pessoa que não é afectada pela doença que cega todos os outros.
O degredo e a desumanização das pessoas aceleram a um ritmo alucinante, à medida em que vamos lendo, neste caso “devorando” a obra.
O romance mostra-nos o desmoronar completo da sociedade que, por causa da cegueira, perde tudo aquilo que considera como civilização.
Alguns personagens tornam-se verdadeiros animais, onde a sobrevivência física é o único que interessa. Outros tentam, apesar de o mundo estar literalmente virado de pernas par o ar, manter a sua dignidade e humanidade.






BB

3 Comments:

At 2:00 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Um das histórias mais brutais que li até hoje.
Vamos ver como fica no cinema. Adoro o realizador Fernado Meireles, mas tinha curiosidade em ver o David lynch adaptar este livro do Saramago.

 
At 2:01 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Um das histórias mais brutais que li até hoje.
Vamos ver como fica no cinema. Adoro o realizador Fernado Meireles, mas tinha curiosidade em ver o David lynch adaptar este livro do Saramago.

 
At 6:05 da tarde, Anonymous Anónimo said...

acabo de ler o livro e fico à espera do filme .
o casting escolhido por Meirelles tem actores como Gael Garcia Bernal ou Julianne Moore que creio irao contribuir a bem transmitir o drama da historia.

 

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